A segunda edição do EDUC>ação, dos meses de maio e junho de 2018, traz em sua reportagem de capa um assunto perigosamente presente e silencioso no serviço público: o assédio moral. O combate ao assédio, tema tão importante na manutenção da saúde do trabalhador, ganhou uma perspectiva jurídica com auxílio do advogado Emmanuel Martins.
Martins é advogado da SLPG Advogados Associados, escritório que presta assessoria jurídica ao SINASEFE Litoral e, na entrevista, aborda assuntos como a caracterização do assédio e seus exemplos e a quem recorrer em casos do tipo. Abaixo, confira a íntegra da entrevista realizada com ele. Leia aqui a reportagem Assédio Moral: como tirar da invisibilidade?
EDUC>ação: Quais as formas mais comuns de Assédio Moral? Como ele pode ser detectado?
Emmanuel Martins: O assédio moral é uma forma bastante silenciosa de ataque emocional à saúde psíquica do servidor. Então, em primeiro lugar há uma dificuldade de nós, assessores, e também dos próprios servidores, as próprias vítimas, identificar o assédio ou fazer as provas necessárias para comprovação de sua existência. As formas de assédio são, em geral, bem sutis. Geralmente, a chefia, por exemplo, não faz isso na frente de testemunhas. Faz isso em reuniões fechadas com o assediado, evita fazer através de e-mail e de todas as formas que permitam à vítima reunir provas da existência do assédio.
Isso gera, para gente, uma dificuldade muito grande de fazer as discussões sobre este tema. Seja na esfera administrativa, em eventuais processos éticos e disciplinares que possam ser abertos contra o assediador, seja na esfera judicial, onde essas repercussões do tipo mais corretivas podem ser buscadas.
O assédio se dá de várias formas, na cobrança excessiva de trabalho – e com “excessiva” quero dizer desmedida, desproporcional ao que é pedido, exigido, em relação aos demais servidores do mesmo cargo, por exemplo. Há situações em que se criam obstáculos para o desempenho do trabalho do servidor, como falta de condições de trabalho, desde material de escritório até espaço físico.
Há situações de isolamento completo do trabalhador, num local inapropriado, distante do convívio dos demais colegas, distante das ferramentas de trabalho como impressora, bebedouro, enfim. Situações como essas já chegaram ao conhecimento do escritório.
Há também a criação de obstáculos para o exercício regular do direito do trabalhador que não seriam colocados se ele não estivesse atravessando um processo de assédio. Por exemplo, servidores que acabam sendo impedidos de sair para capacitação, licença para mestrado, afastamentos, assim por diante. Há situações em que a gente percebe a criação de obstáculos para impedir o servidor de sair para essas atividades. Essa também é uma forma bastante comum de se identificar o assédio. As situações mais frequentes de assédio no serviço público são essas.
As vezes até situações em que a administração cria um cenário em que o servidor acaba sendo, digamos assim, o algoz dos seus próprios desastres. Ou seja, cria-se um ambiente em que o servidor é colocado como improdutivo, ou imperito, desrespeitoso aos colegas ou, no caso de professores, como mau professor.
Situações em que colegas ou a chefia imediata sugere ou estimula que alunos façam uma reclamação formal do professor por determinada situação, vão criando um ambiente até com provas documentais que acabam justificando a abertura de um processo administrativo disciplinar, de uma sindicância contra o professor assediado. No próprio Instituto Federal Catarinense a gente tem pelo menos dois ou três casos em que isso ocorreu. É uma outra forma que se apresenta ainda mais séria, porque acaba sujeitando o servidor a uma penalidade que pode ir desde uma advertência até a demissão do cargo.
Isso para além das questões de saúde, que acabam sendo afetadas de maneira bastante grave em muitos casos. Afastamento para tratamento psicológico, psiquiátrico, que levam muitas vezes ao afastamento do trabalhador por um período bastante longo.
EDUC>ação: A pessoa que se encontre numa situação de assédio, que vê sinais disso, o que ela deve fazer? A quem recorrer para que isso possa ser tratado?
EM: Em primeiro lugar, procurar ter provas dessa ocorrência. Evitar reuniões isoladas com o assediador, e isso começa com evitar atender chamados para reuniões que não sejam feitas por escrito, em memoriais de convocação ou por email, porque isso já serve para ir registrando.
E o que é elementar no serviço público: toda reunião merece, ou deveria merecer, um relatório ao seu final, uma ata. O servidor entra no serviço público e as vezes esquece, porque na relação profissional celetista não damos bola pra isso, não nos habituamos a redigir uma ata de reunião, mas no serviço público isso seria elementar até por conta do princípio da publicidade e da oficialidade.
Então exigir uma ata de reunião, exigir que essa ata espelhe, reflita, aquilo que foi discutido em todos os seus termos, inclusive com as expressões que tenham sido utilizadas pelos presentes na reunião, é elementar. É verdade que isso quase sempre não é feito, mas é uma das formas de se ter esse registro. Estar presente nessas reuniões com outros colegas que possam testemunhar também é uma forma de se fazer o registro tão necessário pra prova do assédio moral.
Para além disso, buscar apoio junto ao seu sindicato, que também é bastante importante. E quando eu digo o sindicato não é necessariamente o jurídico, porque na maioria dos casos a solução desses conflitos não passa por ele, mutas vezes a solução é através da intervenção politica que o sindicato faz junto à chefia ou junto ao assediador.
E muitas vezes o apoio de profissionais da área da psicologia laboral, da saúde ocupacional do órgão público, isso é algo que a gente vem batendo na tecla há tempos, a importância dos órgãos públicos retomarem a ideia de um centro de saúde ocupacional do trabalhador. Porque esses trabalhadores estão adoecendo e não estão tendo esse amparo.
Quando a gente fala em buscar ajuda é sobretudo isso, porque é o que vai reestabelecer a saúde psicológica do trabalhador. Depois as consequências que podem resultar disso. Uma consequência disciplinar para o assediador, ou mesmo uma indenização por danos morais a ser buscada na justiça, mas são questões que quando a gente recebe a vítima são secundárias.
A primeira preocupação é sempre restabelecer a saúde psicológica do trabalhador e permitir que ele volte o mais cedo possível para suas atividades laborais. Porque em geral são pessoas que tem plenas condições de trabalhar e que, estando afastadas, prejudicam a si, porque evidentemente qualquer pessoa em fase de produtividade, de capacidade laboral, vai se frustrar não trabalhando, ainda mais por esses motivos, e também prejudicam a administração, que acaba perdendo uma força de trabalho na maioria dos casos importante.