Gabriel Beltrão: “Os cortes no orçamento estão levando os IFs a trabalharem no limite” [EDUC>ação]

Em nossa terceira edição do EDUC>ação, boletim impresso do SINASEFE Litoral, destacamos os perigos que rondam o futuro dos Institutos Federais do país. Projetos como a reforma do Ensino Médio, a reorganização dos Institutos, aliados ao congelamento no investimento nos setores públicos em ação desde a promulgação da Emenda Constitucional 95/2016, colocam em xeque o sistema de ensino promovido pelos IFs.

Para tratar deste tema tão delicado, conversamos com Gabriel Magalhães Beltrão, professor do Instituto Federal de Alagoas e Mestre em Sociologia, além de membro da direção do SINTIETFAL, Seção Local do SINASEFE Nacional. Na entrevista, Beltrão aponta os riscos dessas medidas do governo e seus impactos já sentidos na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.

EDUC>ação: Em texto de 2016 em coautoria com Fabiano Duarte Machado, você já apontava que a Rede Federal poderia estar com dias contados pela mudança na situação econômica e política do país. Segue tendo essa interpretação? De que maneira isso pode ocorrer?

Gabriel Magalhães Beltrão (GB): No texto a que se refere de 2016 apontávamos o risco real da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (EPT), tal como estabelecida na lei 11.892/2008, ser prejudicada pelo choque neoliberal implementado pelo governo ilegítimo de Temer e do seu Ministério da Educação do Democratas (Mendonça Filho).

De lá para cá é justamente isso que temos verificado. Se ainda não houve uma contrarreforma abrupta na política de EPT federal, isso se deve mais às prioridades do governo nesses dois anos, que foi impor a contrarreforma do ensino médio e definir a BNCC. A Rede Federal tem sofrido com cortes sistemáticos em capital e em custeio, que se aprofundam desde 2015 quando do início da política de austeridade ainda durante o governo Dilma.

Os contingenciamentos e cortes orçamentários têm deteriorado a prestação dos serviços, levando os IFs a trabalharem no limite e mesmo a reduzir atividades de extensão, pesquisa e ensino. Tal contração orçamentária tornará impraticável os IFs em breve, sem que haja perspectiva de reversão em se mantendo a EC 95 que põe limite ao crescimento das despesas não financeiras (primárias) da União, ao passo que libera de qualquer teto as despesas financeiras (com a dívida pública).

Já vimos que no IF de Brasília um campus de expansão foi anulado. Portanto, por hora estamos sendo destruídos aos poucos, estão nos matando por inanição, mas em breve medidas mais duras certamente serão propostas caso não haja uma mudança significativa na orientação política do governo federal. Essas medidas mais duras podem ser as mais diversas: mudança do escopo legal dos IFs, esvaziando sua formatação de ensino médio integrado assentado na indissolubilidade do ensino, pesquisa e extensão; fechamento de campi; estadualização e/ou municipalização de campi; nos IFs mais consolidados e nas regiões mais ricas, exigência por convênios com a iniciativa privada como forma de financiamento dos estabelecimentos; exoneração de servidores para enxugamento do quadro, o que se coloca como problema real dada a EC 95.

EDUC>ação: A recente reforma no Ensino Médio é outra questão que pode colocar em xeque o modelo de educação praticado nos Institutos, como avalia essa reforma nos IFs?

GB: Os maiores estudiosos da educação profissional, como Gaudêncio Frigotto, Marise Ramos, [Maria] Ciavatta, dentre outros, são inequívocos em dizer que a contrarreforma do ensino médio, caso aplicada à Rede Federal, elidiria por completo a perspectiva integrada de educação, positividade constante na Lei 11.892/2008.

Sob a égide da contrarreforma do ensino médio, os IFs que conhecemos hoje seriam totalmente descaracterizados, mudando ou não a nomenclatura dos estabelecimentos. Seríamos constrangidos à formação mais rasteira possível dos estudantes, com uma formação estritamente vinculada às demandas do mercado em prejuízo de uma formação unitária, ao mesmo tempo para o trabalho e para a vida em sociedade.

Seríamos, portanto, plenamente subsumidos ao mercado, nos tornaríamos uma cópia infiel do Sistema S. Essa degenerescência depuradora de tudo que seja considerado humanismo, reduzindo tudo ao mercado, na verdade não passa de um grande engodo, afinal, o modelo econômico a que estamos submetidos reproduz em escala ampliada desemprego, subemprego e empregos sub-remunerados, de modo que a retórica da educação profissional como acesso rápido à cidadania salarial não passa de um grande engodo, pura ideologia.

Portanto, nem formaríamos para a vida numa sociedade contraditória, complexa e dinâmica, nem formaríamos para o trabalho, posto que a economia não produz empregos dignos à medida das reais necessidades da população. É um dever nosso enquanto servidores dos IFs nos somarmos aos demais profissionais da educação na luta contra essa contrarreforma de inspiração varguista (Reforma Capanema), absolutamente regressiva e que só evidencia o quanto o nosso capitalismo dependente e subdesenvolvido não tem nada a oferecer de progressivo, de humanista, à massa do povo que vive do trabalho.

EDUC>ação: Neste ano, o Ministério da Educação aventou a possibilidade de uma “reestruturação” dos Institutos, você avalia esse movimento como parte do processo de enfraquecimento dos IFs?

GB: Por hora o que temos visto é uma política de contrariedade do CONIF em relação à política do governo Temer para a educação e sua ortodoxia neoliberal. Em mais de uma oportunidade os dirigentes dos IFs se colocaram publicamente em defesa da Rede na sua atual concepção e em defesa de políticas de financiamento a contento, contrários à EC95.

Por óbvio, essa postura tem incomodado os golpistas do MEC, que sacaram essa proposta de “reestruturação” dos IFs com o objetivo de instaurar a fórceps uma nova correlação de forças no interior do CONIF, com dirigentes mais favoráveis às políticas emanadas de Brasília.

A “reestruturação” é absolutamente antidemocrática, posto que sequer ouviram os gestores do IFs, veja lá os servidores. Ela é onerosa e ineficiente, uma medida estapafúrdia que só poderia ser produto desse governo ilegítimo. Temos que cobrar que o CONIF mantenha sua posição pública em defesa da Rede Federal, que expresse os anseios dos servidores que constroem diariamente os IFs e não sucumba aos usurpadores.

É essencial que os sindicatos e o próprio CONIF abra mais fortemente o diálogo com a sociedade para se constituir uma ampla rede de solidariedade e defesa dos IFs. Só assim podemos nos fortalecer e enfrentar esse governo ou um próximo que mantenha uma política econômica privatista.

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