Autor: Mário Junior
Nesta quarta-feira, dia 28 de setembro, temos a passagem do Dia Latino Americano pela Descriminalização do Aborto na América Latina e no Caribe. Esta data de luta foi definida em 1990, na Argentina, por ocasião do 5º Congresso Feminista Latino-Americano e Caribenho, ficando desde então marcado como um dia no qual as mulheres lembram que devem possuir o direito de decidirem sobre os seus próprios corpos.
Neste dia, é também recordada a Lei do Ventre Livre, promulgada no Brasil em 1871 e que passou a considerar livres todos os filhos de escravas nascidos a partir desta data. Significativamente, esta data marca a libertação do ventre das mulheres escravizadas no Brasil.
Como também é lembrado o sepultamento de Jandira Magdalena dos Santos Cruz, ocorrido em 2014, no Rio de Janeiro. Jandira tinha 27 anos e foi morta numa clínica clandestina a qual recorreu para a realização de um aborto. Seu corpo foi encontrado dentro de um carro, carbonizado, sem as digitais e a arcada dentária.
A data é de grande simbologia, mas a principal razão para a existência de um dia dedicado a esta causa das mulheres está nos números: na América Latina, 4,4 milhões de abortos ocorrem por ano, sendo que 95% deles são considerados inseguros. Somente no Brasil, os dados da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2010, confirmados pela PNA de 2016, revelam que, aos 40 anos de idade, quase uma em cada cinco mulheres já realizou pelo menos um aborto, estimando-se, em 2016, um número em torno de 4,7 milhões de mulheres, metade delas fazendo uso de medicamentos e quase metade vindo a necessitar de internamento para finalizar o procedimento.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada dois dias uma brasileira morre em decorrência de complicações pós-abortamento. Ademais, grande parte dos abortos ocorre dentro dos grupos sociais de menor escolaridade e vivendo em regiões menos favorecidas, do que se conclui que este fenômeno está ligado a causas econômico-sociais importantes.
Esta asserção não afasta nem anula um outro dado revelado pelas investigações: de que o abortamento é um fato comum e ocorre com frequência entre mulheres comuns, isto é, de todas as idades, estado civil, crenças, classes sociais, grupos raciais etc. A prática do abortamento faz parte da vida reprodutiva das mulheres, em maior ou menos medida.
Efetivamente, o problema do abortamento praticado de forma ilegal e insegura é um dos temas mais polêmicos e dos mais discutidos no mundo inteiro, pois está situado no movediço terreno que separa o indivíduo, o Estado e a moral, e que aumenta de tamanho, quando fixados os olhos nos dados ora dissertados.
Mas há que ressaltar que aborto clandestino é diferente de aborto inseguro. Concretamente, a clandestinidade tem a ver com proibição legal. Recorde-se que no Brasil o aborto é tipificado como crime, exceto quando a gravidez é resultante de violência sexual, põe em perigo a vida da mãe ou quando o feto é portador de anencefalia. No entanto, a mulher decidida a abortar, se tem recursos financeiros, desloca-se a uma clínica privada e paga o preço pela realização do procedimento de forma segura; do contrário, recorre a métodos caseiros, sem cuidados de higiene ou assepsia, provocando sérios riscos para a sua saúde.
Precisamente por esta razão, o grande problema do abortamento clandestino, e que se combate, tem a ver, sobretudo, com desigualdade social.
Está provado que a proibição legal não impede nem faz diminuir o número de abortamentos. Esta é a conclusão a que chega o recente estudo realizado pelo Instituto Guttmacher e pela OMS, apresentado na publicação médica The Lancet. O relatório refere que a criminalização não limita o número de abortos e que os países mais ricos, que optaram por atualizar suas leis de modo a autorizar o procedimento, acompanhado por uma ampla conscientização e estratégia acerca do planejamento familiar, reduziram significativamente as suas taxas de interrupção de gravidez.
De acordo com a OMS, é na América Latina que se concentra a maior incidência de abortamentos em todo o mundo, na proporção de um para cada três gestações, apontando também uma alta significativa na América do Sul, sendo que no Brasil, o número de abortos passou de 25% em 1990 para 34% em 2014. Portanto, este quadro confirma a ocorrência maior de abortamentos onde a prática é proibida, considerando-se que, na América Latina, somente quatro países permitem o aborto legal: Cuba, Guina, Porto Rico e Uruguai. O Uruguai consta como o primeiro país da América do Sul a autorizar o procedimento sem necessidade de apresentar justificação, até a 12ª semana de gestação.
Desta forma, o abortamento inseguro é invariavelmente um problema presente nas sociedades mais pobres e que está diretamente relacionado a uma política de planejamento familiar ineficiente. A decisão de abortar, para a grande maioria das mulheres, é uma decisão difícil e que vem na sequência do abandono, do desemprego e do desespero, vivida como a última solução para um conflito de grandes dimensões. Condenar as mulheres que optam por interromper uma gestação sofrida e indesejada pode ser tanto ou mais cruel do que o processo doloroso que envolve essa tomada de decisão.
Portanto, a questão passa por conferir às mulheres o direito de decidirem, de forma esclarecida, a partir de seus valores e suas próprias convicções, sobre aquilo que consideram o exercício pleno e responsável de sua sexualidade, liberdade e vida reprodutiva.
Por tudo isto, o Dia Latino Americano pela Descriminalização do Aborto na América Latina e no Caribe deve ser referenciada como uma data de resistência e luta, pela igualdade das mulheres e de afirmação dos direitos humanos. O SINASEFE defende essa bandeira e faz parte dessa luta!