CASO ABELARDO LUZ: Leia Carta dos Servidores do IFC sobre denúncia do MP

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No dia 16 de agosto, o diretor e o coordenador pedagógico do Campus Avançado de Abelardo Luz, Ricardo Velho e Maicon Fontanive, tiveram seus celulares e computadores apreendidos pela Polícia Federal, seus registros telemáticos quebrados e foram afastados de suas funções naquela unidade do Instituto Federal Catarinense (IFC). Além deles, a reitora do Instituto, Sônia Regina de Souza Fernandes, também teve seu sigilo quebrado na ação autorizada pela Juíza Substituta da 1ª Vara de Justiça Federal de Chapecó, Priscilla Mielke Wickert Piva, após denúncia feita pelo Ministério Público Federal.

As acusações contra eles vão na direção de ingerência política do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), sobre o Campus Avançado, localizado num assentamento da Reforma Agrária. Desde a ação autorizada pela justiça, tanto a seção do SINASEFE Litoral, como as demais seções do sindicato que representam trabalhadores do IFC, a Direção Nacional do SINASEFE e diversas entidades e organizações de trabalhadores e em defesa dos direitos humanos já se manifestaram contra as medidas impostas aos servidores. Para estas organizações, tudo não passa de uma clara e autêntica demonstração da perseguição política que entidades como o MST e os sindicatos dos trabalhadores sofrem em todo o país quando se aproximam de órgãos públicos como as universidades e os institutos federais. Muito diferente do que ocorre, por exemplo, quando empresas e fundações privadas realizam a mesma aproximação.

Diante deste quadro, na última assembleia de docentes e técnico-administrativos em educação do IFC filiados à Seção Litoral definiram um Grupo de Trabalho para a elaboração de uma Carta Pública em defesa dos servidores agora perseguidos, da autonomia do Instituto em suas escolhas de gestão e da democracia nos espaços públicos, possibilitando o crescimento do pensamento crítico na sociedade. Leia abaixo a carta elaborada a partir da Assembleia:

(…)
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.

Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada (…)

No Caminho, com Maiakóvski
(Eduardo Alves da Costa)

A Justiça Federal, provocada pelo Ministério Público Federal (MPF), em despacho/decisão do dia 16 de agosto de 2017 afasta das funções públicas os servidores do IFC, campus Abelardo Luz, Ricardo Velho e Maicon Fontanive. Ademais, apreende seus computadores pessoais – além de quebrar o sigilo da reitora Sônia Fernandes -, cometendo uma arbitrariedade contra os trabalhadores da Educação, comprometidos com um ensino democrático e plural, alicerçados no respeito aos estudantes e ao contexto social em que estão inseridos.

Vale lembrar que o Campus IFC Abelardo Luz tem sede em área rural, no Assentamento José Maria. Foi implantado em 2013, inicialmente como campus avançado de Concórdia e, em 2016 conquista autonomia. O processo de implantação do campus obedeceu a todas as normativas legais e consultivas: houve audiências públicas com a participação da sociedade civil, em que estiveram presentes trabalhadores do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e o poder executivo e legislativo local e regional, constituindo-se numa conjugação de esforços de múltiplos cidadãos.  Todos os cursos que o campus oferece são gratuitos e de acesso a todos aqueles que o desejarem e cumprirem com os pré-requisitos mínimos e cujos princípios estabelecidos em seus PPCs (Projetos Pedagógicos dos Cursos) atendem aos dispositivos da LDB (Lei de Diretrizes e Bases), incluindo o artigo 1º:

A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. (BRASIL, 1996, s/p)

Ora, quando o MPF acusa os servidores e a gestão do IFC de estarem sob o “controle” e a serviço do MST, está ignorando o exposto acima, da LDB, que preconiza a educação como um processo que envolve e inclui, dentre outras organizações e instituições, os movimentos sociais. Ou seja, não há base legal para que se sugira a exclusão e/ou criminalização da participação do MST no campus ou em qualquer instituição educativa no país. O trabalho que se desenvolve no campus – que, ressalta-se, oferece ensino gratuito, público e de qualidade a partir de processo seletivo que não implica exclusão de nenhum estrato social – preza pelo cumprimento da lei, assegurando um processo de ensino e aprendizagem que respeite e conviva com os diversos grupos sociais, étnicos e culturais que compõem a sociedade.

Ainda, ao acusar os servidores e a gestão do IFC de atuarem sob a ingerência do MST, o MPF parece ignorar a Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que versa sobre a criação dos IFs (Institutos Federais), no artigo 6º, inciso IV:

“Os Institutos Federais têm por finalidades e características: orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do Instituto Federal” (BRASIL, 2008, s/p).

Entende-se que o campus Abelardo Luz busca cumprir aos requisitos na forma da Lei: atender à demanda local e regional, que é composta, dentre outros grupos sociais, por famílias oriundas de assentamentos, nos municípios de Passos Maia, Catanduvas, Dionísio Cerqueira e São Miguel do Oeste. Nesse sentido são ofertados os cursos de Técnico em Agropecuária e de especialização em Educação do Campo.

A arbitrariedade cometida pelo MPF sustenta-se apenas sob a tentativa de criminalizar os movimentos sociais – no caso, o MST – e, ainda, de silenciar os trabalhadores e trabalhadoras da educação comprometidos com um processo educativo democrático e emancipador, que reconhece os/as estudantes como sujeitos de direitos e partícipes da/na escola.

No entanto, sabemos que os acontecimentos no campus Abelardo Luz são apenas a radicalização de um processo que assistimos cotidianamente no Brasil. Além da difusão das ideias do movimento Escola Sem Partido, que pretende amordaçar o pensamento crítico e reflexivo em sala de aula, temos vistos vários colegas educadores sendo perseguidos, como a professora Marlene de Fáveri, da UDESC, acusada de doutrinação feminista por uma ex-orientanda, ou os docentes do Colégio Pedro II, que quase tiveram sua atuação sindical criminalizada.

Infelizmente, em nossa época e em nosso país, há um recrudescimento de posturas intolerantes em relação a toda forma de pensamento que critica a ordem vigente, sendo que o discurso do ódio e a perseguição em relação a quaisquer posturas intelectual e cultural crítica se tornam uma regra. Enquanto sessão sindical do Sinasefe, reafirmamos nosso dever e compromisso de combater cotidianamente a intolerância, a censura e o preconceito intelectual e cultural em nossos campi, uma vez que nosso compromisso é com a Educação pública, gratuita e de qualidade.

Diante do exposto, a presente carta vem REPUDIAR a ação do MPF, DEFENDER a liberdade de pensamento e a autonomia intelectual dos servidores da educação e REAFIRMAR a necessidade urgente de que se cumpram as leis que regulamentam e instituem as diretrizes e bases da educação nacional, bem como dos IFs.

Trabalhadores do Instituto Federal Catarinense filiados à Seção Litoral do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica – SINASEFE

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