Transferir ao servidor custos com internet e telefone configura enriquecimento ilícito da administração. Avaliação prevista pode levar a assédio moral. Adesão da instituição e de servidores deve ser facultativa.
A pedido da Seção, o escritório SLPG Advogados Associados, assessoria jurídica do SINASEFE Litoral, emitiu um parecer que discute as legalidades e ilegalidades da Instrução Normativa 65/2020, documento base para regulamentação interna do teletrabalho no IFC.
O parecer completo, de 26 páginas, está disponível aqui. Abaixo, confira um resumo das considerações da Assessoria.
É legal transferir ao servidor pagamento de despesas decorrentes do teletrabalho?
O IFC segue responsável pela saúde e qualidade de vida do servidor em teletrabalho?
Pedir mais produtividade no teletrabalho quebra isonomia e equiparação entre servidores?
IFC tem competência para mudar avaliação do desempenho em virtude do teletrabalho?
Mecanismos de avaliação do teletrabalho podem configurar assédio?
Teletrabalho é alternativa para servidores de licença por afastamento de cônjuge?
Contexto
Desde o ano passado, um Grupo de Trabalho com participação de gestores e servidores do IFC e no qual o Sindicato conta com um assento, discute a implantação de um programa próprio de gestão para o teletrabalho no Instituto.
Os debates do GT levam por base a Instrução Normativa 65 de 2020, publicada pelo governo federal em meados do ano passado. A Instrução suscitou preocupação com a legalidade e ilegalidade de seus efeitos práticos, o que levou a Direção da Seção a solicitar a sua Assessoria uma série de perguntas sobre a IN.
Questões do Sindicato
Foram seis as perguntas formuladas pela Seção:
1. O programa de gestão inova em propor um sistema de avaliação de desempenho diferente daqueles previstos em lei. Trata-se de avaliação qualitativa das entregas na modalidade de teletrabalho, realizada unilateralmente pela chefia imediata, e publicamente divulgada. Há competência do órgão superior para esse tipo de inovação que supera o estatuto legal?
2.O Plano de Trabalho, Metas e Resultados pode configurar excesso, humilhação, constrangimento e/ou assédio moral ao estabelecer: a. a avaliação subjetiva e unilateral do “perfil do servidor” (cf. art.10º, inciso XII e alíneas)? b. redefinição unilateral pela chefia das metas anteriormente pactuadas (cf. art. 14, §2º)? c.corriqueira e nominal exposição pública de avaliação da qualidade das atividades desenvolvidas pelo servidor (notas de 0 a 10 por atividade desenvolvida) (cf. art. 38, §1º e incisos)? d. não aceite (recebimento) das atividades desenvolvidas que receberam nota inferior à 5 (cf. art. 15, §2º)? e. exclusão sumária do regime de teletrabalho do servidor que tiver atribuído mal desempenho, não dispor de condições de infraestrutura para a execução do trabalho, entre outras (cf. art. 28, III e VIII)?
3. A exigência de que “a produtividade dos servidores participantes do teletrabalho deverá ser superior à prevista para as mesmas atividades em execução presencial nas dependências da unidade” (cf. art. 17, §3º), constitui quebra de isonomia, equiparação e imparcialidade?
4.Ao determinar que “o programa de gestão, na modalidade teletrabalho, poderá ser alternativa aos servidores que atendam aos requisitos para concessão da licença por motivo de afastamento do cônjuge ou companheiro prevista no art. 84 da Lei nº 8.112, de 1990 [...]” (cf. art. 22), há ilegalidade diante de supressão de direito estatutário de competência federal?
5. Em detrimento do estatuto jurídico federal e do edital público institucional pelo qual o servidor ingressou na instituição, é lícito que todas as condições e despesas para realização das atividades (cf. art. 31, inciso XI) sejam transferidas exclusivamente para o servidor sem direito à compensação financeira?
6. Diante da possibilidade de transferir-se para o servidor todas as condições materiais, tecnológicas e infraestrutura para a execução das atividades (cf. art. 31, inciso XI), qual seria a responsabilidade institucional acerca das questões relativas à saúde, segurança e qualidade de vida no trabalho, considerando, por exemplo, condições de ergonomia, doenças ocupacionais, acidentes de trabalho, etc.?
A partir destas questões, a Assessoria analisou a IN em comparação a legislação vigente, além de jurisprudências criadas a partir de decisões judiciais. Veja um resumo em formato de perguntas e respostas:
É legal transferir ao servidor pagamento de despesas decorrentes do teletrabalho?
Formulada como quinta pergunta pelo Sindicato, discutia a possibilidade, aberta pela redação da IN, de que os servidores em teletrabalho fossem responsáveis por manter a infraestrutura necessária para o exercício de suas atribuições, como “as estruturas física e tecnológica necessárias, mediante a utilização de equipamentos e mobiliários adequados e ergonômicos, assumindo, inclusive, os custos referentes à conexão à internet, à energia elétrica e ao telefone, entre outras despesas decorrentes do exercício de suas atribuições” (artigo 23 da Instrução Normativa).
A Assessoria lembra que uma propostas da IN é reduzir o custo da administração pública. No entanto, tal redução não pode ocorrer às custas dos servidores. O repasse destes custos aos servidores “caracteriza enriquecimento sem causa da administração”, algo proibido pela lei.
Por isso, a Assessoria afirma: “recomendamos que os servidores que tiverem tais despesas guardem todas as provas a fim de instruírem eventuais ações judiciais de cobrança futuramente”.
Sobre o tema, a Assessoria destaca ainda os riscos de responsabilizar os servidores pelo zelo com a segurança da informação, algo pontuado em diversos pontos da IN. Segundo a análise jurídica,
"de um lado a administração se exime da responsabilidade e do ônus financeiro de fornecer ao servidor os instrumentos tecnológicos (equipamentos, software antivírus, etc) para que ele desempenhe suas atribuições, e, de outro, em caso de eventual ataque cibernético, poderá responsabilizar o servidor por eventuais falhas na segurança cibernética que resultem em algum dano".
Para a Assessoria, essa preocupação é ainda mais pertinente depois que instituições como o Ministério da Saúde, o STJ e o STF terem sido alvos de ataques cibernéticos recentemente.
"acerca deste ponto é necessária especial atenção e reflexão da categoria quanto à regulamentação do teletrabalho, cientes, desde já, que as regras neste caso também estão disciplinadas na IN nº 65/2020, portanto, sem possibilidade, ao menos em tese, de serem modificadas na regulamentação interna"
O IFC segue responsável pela saúde e qualidade de vida do servidor em teletrabalho?
Derivada da questão sobre as despesas decorrentes do trabalho, a sexta questão da Seção perguntava sobre a responsabilidade do Instituto com a saúde, segurança e qualidade de vida do servidor em teletrabalho, já que questões como o cuidado com a ergonomia no local de trabalho passavam ao cargo dos servidores.
De acordo com a Assessoria, “nossa Constituição Federal assegura aos trabalhadores urbanos e rurais ‘a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.
Assim, é de responsabilidade do empregador a garantia de ambiente salubre e seguro para seus trabalhadores, “fornecendo equipamentos de proteção individual, espaços, ferramentas e insumos de trabalho que atendam os requisitos de saúde e proteção”.
Por isso, “qualquer dano ocasionado ao trabalhador no trabalho ou em decorrência dele é passível de indenização”.
Pedir mais produtividade no teletrabalho quebra isonomia e equiparação entre servidores?
A terceira pergunta enviada pela Seção debatia a possibilidade de que o aumento de produtividade em regime de teletrabalho, como previsto pela IN, feria princípios como da isonomia, equiparação e imparcialidade entre o conjunto dos servidores.
Neste caso a análise da Assessoria é taxativa:
Sim, [...] fere o princípio da isonomia estabelecer metas diferentes para servidores em teletrabalho e para servidores em trabalho presencial.
IFC tem competência para mudar avaliação do desempenho em virtude do teletrabalho?
Em resposta a questão 1 enviada, a Assessoria analisou que a adesão dos órgãos e dos servidores ao Programa de Gestão formulado pela IN é facultativa.
Na visão dos advogados da SLPG, a Instrução Normativa deixa explícito a não obrigatoriedade. Dizem no parecer:
"É o que se depreende de vários dispositivos da IN nº 65/2020, dentre eles o art. 7º, segundo o qual 'A implementação de programa de gestão é facultativa à Administração Pública e ocorrerá em função da conveniência e do interesse do serviço, não se constituindo direito do participante'”.
O mesmo vale para a participação dos servidores no Programa, de acordo com a IN.
"[...] também em relação a eles a adesão ao programa é facultativa. A conclusão pode ser extraída do parágrafo único do art. 11º da ora estudada IN nº 65/2020 que prevê a obrigatoriedade do dirigente da unidade definir e divulgar os critérios técnicos necessários para 'adesão dos interessados' ao programa de gestão. E uma vez tendo aderido ao programa, o servidor pode dele desligar-se voluntariamente, desde que solicite o desligamento com antecedência mínima de 10 dias, conforme garante o inciso I do art. 19 da IN nº 65/2020".
Por seu caráter não obrigatório, a análise é de que é permitido que aqueles que aderirem ao programa se submetam a regras específicas, não sendo novidade as avaliações de desempenho baseadas em regulações internas do Instituto.
Mecanismos de avaliação do teletrabalho podem configurar assédio?
A segunda questão formulada pela Seção debate a possibilidade das avaliações previstas pela IN abrirem espaço para excessos e constrangimentos até o limite do assédio moral.
De acordo com a Assessoria, a análise dos excessos é subjetiva e, portanto, avaliada em casos concretos. A existência de critérios como a avaliação subjetiva unilateral do “perfil do servidor”, a mudança de metas unilateralmente pela chefia ou a exclusão sumária do servidor do regime de teletrabalho não são, em si, causadoras de dano.
O que não impede de dizer que “todas elas constituem instrumentos dotados de elevado potencial intimidatório, constrangedor”, especialmente por estarem “colocadas à disposição de quem tem poder de mando, no caso o dirigente máximo e o chefe imediato”.
Concluindo que casos essas ferramentas de avaliação sejam mal utilizadas as responsabilidades precisarão ser apuradas.
Teletrabalho é alternativa para servidores de licença por afastamento de cônjuge?
A quarta questão formulada questionava a legalidade de uma Instrução Normativa legislar sobre um tema que já constava na Constituição Federal, nesse caso a possibilidade do servidor passar ao regime de teletrabalho como alternativa a ser licenciado em função de afastamento de cônjuge ou companheiro.
Entre o envio dos questionamentos à Assessoria e a publicação do Parecer pelos advogados do SLPG, no entanto, a pressão da representação sindical no Grupo de Trabalho que discute a implantação do teletrabalho no IFC fez com que essa medida – considerada ilegal no parecer da Assessoria, fosse também suprimida da minuta produzida no GT em respeito à legislação.