Após denúncia de Sindicatos, promotor abriu Ação Civil Pública contra deputada que incentivava estudantes a denunciarem “doutrinadores” no estado
Em meio a um governo Temer que já representa, por si só, ameaças constantes à Educação brasileira, os trabalhadores precisam agora conviver com o que pode vir a ser o governo do próximo presidente da República eleito no último final de semana, Jair Bolsonaro.
Com uma plataforma eleitoral que ataca as liberdades individuais e persegue opositores, Bolsonaro carrega em seu partido, o antes desconhecido Partido Social Liberal, PSL, centenas de apoiadores do constrangimento e da exploração do medo como artifícios políticos.
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É o caso da ação da recém-eleita deputada estadual Ana Caroline Campagnolo, catapultada ao cargo após ganhar fama por processar sua ex-orientadora de mestrado por “perseguição ideológica” – caso em que já foi derrotada na primeira instância da Justiça.
Cotada para assumir a Secretaria de Educação do estado, agora nas mãos do também partidário de Bolsonaro, Comandante Moisés, Campagnolo voltou aos noticiários a partir deste domingo, após incentivar, por meio de suas redes sociais, a gravação de “manifestações político-partidárias ou ideológica [sic]” nas salas de aula do estado.
A publicação da agora deputada afirmava que no dia 29 de outrubro, segunda-feira seguinte às eleições presidenciais, “os professores doutrinadores estarão inconformados e revoltados” e que “não conterão sua ira e farão da sala de aula auditório cativo para suas queixas político partidárias”.
Dizendo garantir o anonimato dos denunciantes, a deputada divulgava em suas redes um número de telefone para o envio das denúncias, pedindo que elas viessem com o nome do professor denunciado, a escola e a cidade onde ocorreu a gravação.
Diante da flagrante tentativa de intimidação do trabalho dos educadores do estado, Sindicatos como o SINASEFE Litoral, as Seções Sindicais do SINASEFE IFSC e Videira, a Seção do ANDES-UFSC, o Sindicato dos Professores do Estado de Santa Catarina (SINPROESC), o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de São José (SINTE), a Federação dos Trabalhadores Municipais de Santa Catarina (FETRAM-SC), o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis, São José, Palhoça e Biguaçu (SINTRASEM, SINTRAM-SJ, SITRAMPA e SINTRAMUB), o Sindicato dos Psicólogos de Santa Catarina (SINPSI) e a Central Única dos Trabalhadores de Santa Catarina (CUT-SC) entregaram ao Promotor de Justiça do Ministério Público estadual, Davi do Espírito Santo, uma denúncia escrita relatando as afrontas que a ação da deputada representam aos princípios legais do país.
A partir da denúncia, o Promotor ingressou com Ação Civil Pública solicitando à Justiça da Vara da Infância e da Juventude “tutela de urgência” sobre o caso – pedido feito quando se considera essencial para o prosseguimento da ação uma posição rápida da Justiça, antes que se gere danos graves e de difícil reparação posterior.
Na Ação (disponível na íntegra aqui), o Promotor justifica a atuação do MP estadual no caso e narra os acontecimentos, afirmando que as publicações de Campagnolo implantam “um abominável regime de delações informais, anônimas, objetivando impor um regime de medo, de verdadeiro terror, na verdade, nas salas de aula”.
Na visão do Promotor, a defensora do movimento autointitulado ‘Escola sem Partido’ “desafia e humilha os professores com suas postagens” nas redes sociais, criando “intranquilidade e animosidade nos ambientes escolares, com danos incomensuráveis à educação”.
Para Espírito Santo, a ação da futura deputada coloca em xeque princípios jurídicos presentes em diferentes níveis da legislação brasileira. Tanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), quanto nas leis estaduais que versam sobre Educação, a própria Constituição Federal e os preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
É a partir de um dos artigos do ECA que o Promotor considera que, ao recomendar a realização de filmagens nas salas de aula, a deputada estaria realizando “exploração política dos estudantes”, já que a ação busca tirar proveito político ideológico dos estudantes “com prejuízos indiscutíveis ao desenvolvimento regular das atividades escolares, quer pelo incentivo à desconfiança dos professores quer pela incitação dos alunos catarinenses ao descumprimento da Lei Estadual n. 14.363/2008 (Documento n. 07), que proíbe o do uso de telefone celular nas escolas – públicas e privadas – no Estado de Santa Catarina”
Além disso, na visão do MP Campagnolo “age com crueldade, pois pretende compelir os estudantes catarinenses a atuarem como delatores de seus mestres em nome de um indisfarçado ideário político, tornando-os ‘agentes’ ou ‘inquisidores’ destes”. As duas condutas, de exploração e de crueldade contra crianças e adolescentes são descritas como atentados aos direitos fundamentais delas no artigo 5º do ECA.
Diante do quadro, a ação do MP estadual pede à Justiça a retirada em caráter emergencial das postagens feitas pela deputada eleita das redes sociais, o bloqueio do número de telefone celular divulgado para denúncias e o pagamento de R$ 71 mil em danos morais coletivos, a serem direcionados ao Fundo para Infância e Adolescência (FIA).
Além disso, pede que a justiça garanta que a deputada não volte a manter qualquer tipo de serviço formal ou informal de controle ideológico sobre as atividades dos professores no estado.
MP Federal também se posiciona sobre ação da deputada
Além da ação local do MP de Santa Catarina, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) do Ministério Público Federal (MPF) no estado estendeu às Universidades e aos Institutos Federais do Estado (IFC e IFSC) a recomendação feita na terça, 30, pela Procuradoria da República em Chapecó para que as unidades de ensino “se abstenham de qualquer atuação ou sanção arbitrária em relação a professores, com fundamento que represente violação aos princípios constitucionais”.
Os procuradores da República Cláudio Valentim Cristani e Fábio de Oliveira recomendaram ainda que as instituições adotem medidas para evitar assédio moral vindo de estudantes, pais ou responsáveis. A Procuradoria instaurou, também nesta terça, inquérito civil para “apurar suposta intimidação e assédio moral a professores de instituições federais de ensino no estado por parte da deputada estadual eleita Ana Caroline Campagnolo”.
As posições defendidas pelos Procuradores é de que a conduta de Campagnolo configura “flagrante censura prévia e provável assédio moral em relação a todos os professores do estado de Santa Catarina, das instituições públicas e privadas de ensino, não apenas da educação básica e do ensino médio, mas também do ensino superior” e que “afronta claramente a liberdade e a pluralidade de ensino”.
ESCOLA COM LIBERDADE versus ESCOLA SEM PARTIDO
Em meio ao debate trazido pela deputada no estado, o projeto de Lei que inflige às escolas brasileiras medidas propostas pelo movimento autodenominado “Escola Sem Partido” chegaram a entrar em debate em Comissão Especial da Câmara dos Deputados, em Brasília, nesta quarta, 31. A votação, no entanto, não ocorreu e foi adiada para a semana que vem.
A redação da Lei, que já proibia debates sobre “gênero” nas escolas, foi alterada pouco antes da votação, nesta terça, para incluir também a proibição de debates sobre “preferências políticas e partidárias”.
Para especialistas em educação e para o próprio Ministério da Educação, a medida não traz nenhum ganho à Educação. Além disso, já existem diversas medidas em vigor no país que impedem o que os partidários do ‘ESP’ chamam de “doutrinação” nas salas de aula.
O movimento ESP, seus projetos de lei e seus líderes, como Campagnolo em Santa Catarina, se utilizam destas bandeiras “morais”, portanto, como forma de ganharem notoriedade pública e alçarem cargos políticos por meio da exploração dos jovens e a criação de uma tensão entre professores e alunos que, no fundo, é maléfica para o processo de plena aprendizagem dos jovens.