Direção Nacional se posiciona sobre planos do Conselho de Dirigentes da Rede para retorno às atividades presenciais
No início de julho tomamos conhecimento do documento do Conif, datado de junho de 2020, sob o título: Diretrizes para elaboração de planos de contingência para o retorno às atividades presenciais nas instituições da rede federal de educação profissional, científica e tecnológica
O referido documento foi construído por um Grupo de Trabalho formado por oito reitores(as): Rosana Cavalcante dos Santos, reitora do IFAC, Elaine Cassiano, reitora do IFMS, Ruth Sales Gama de Andrade, reitora do IFS, Carlos Guedes de Lacerda, reitor do IFAL, Sônia Regina de Souza Fernandes, reitora do IFC, Maria Leopoldina Veras Camelo, reitora do IF Sertão Pernambucano, Aécio José Araújo Passos Duarte, reitor do IF Baiano e Jerônimo Rodrigues da Silva, reitor do IFG. Em linhas gerais, o Conif aponta o retorno do ensino presencial durante a pandemia.
Avaliamos ser importante destacar o que ocorreu no Brasil em junho. Nesse mês morreram 29.500 pessoas e contraíram a doença 871.560 brasileiros (as), praticamente uma média de 1000 mortes por dia pela COVID-19, sendo que nos dois primeiros dias de julho morreram 2.318 e foram contaminados 80.000 brasileiros.
No total, sem considerar a subnotificação, a pandemia no nosso país já matou 80.251 pessoas (até 21/07/20), muito mais do que soldados na guerra do Vietnã, e mais de dois milhões contraíram a doença. Não existe nenhum estudo que aponta uma queda nos números de mortes e pessoas acometidas da doença no Brasil, muito pelo contrário: todos os estudos revelam que a pandemia no nosso país deve aumentar em muito o número de vítimas. Outro consenso entre todos os especialistas no assunto é a enorme subnotificação dos números divulgados no Brasil.
Portanto a primeira questão que devemos perguntar ao Conif é: retorno às atividades presenciais é a pauta do momento? Qual a nossa prioridade enquanto profissionais da educação? Salvar vidas ou forçar uma normalidade inexistente?
Já na apresentação do referido documento, o Conif destaca:
Todos os cursos da Rede Federal são gratuitos e, de acordo com os dados da Plataforma Nilo Peçanha (http:// pnp.mec.gov.br), mais de 76% dos nossos estudantes pertencem a famílias de baixo poder aquisitivo, cuja renda per capita média é menor do que um e meio salário mínimo. Além disso, mais de 59% dos nossos discentes se autodeclaram pretos e pardos e mais de 72% possuem entre 15 e 29 anos de idade. Nosso público, portanto, é predominantemente de jovens negros e baixa renda.
Esse quadro de desigualdade social já era evidente com a crise econômica que já existia no país, mas tende a ser agravado com a crise sanitária, onde os mais de 12 milhões de brasileiros que vivem na informalidade ficaram sem condições de trabalhar, e, portanto, sem renda. Acrescentemos, a pandemia não acabou. Estamos longe de estabilizar a curva crescente de infectados pelo Covid-19.
Qual a situação de vida desses nossos estudantes? Como podemos nos relacionar com esses estudantes para saber como ajudá-los?
O documento do Conif segue:
Nesse momento da pandemia da COVID-19, estamos muito preocupados com os nossos estudantes, por tudo o que foi citado. Queremos continuar exercendo a nossa função de inclusão social por meio da educação e temos a intenção de atender a todos os nossos alunos, seja no modelo não presencial (viabilizando conectividade, material didático e equipamentos) ou semi-presencial (ou híbrido), que provavelmente será necessário implementar após o período de isolamento social.
Não seria a defesa da vida dos nossos estudantes a prioridade? Já estamos prontos para discutir a volta das aulas? Afinal, este é o momento em que o país mais precisa de isolamento social.
A disposição de voltar as aulas demonstra irresponsabilidade e alinhamento à política genocida do governo federal. O próprio Conif reconhece a situação atual, onde: “Sabe-se que o vírus tem taxas de transmissibilidade relevantes e ainda não possui vacina ou tratamento eficaz”. No entanto, o mesmo documento do Conif sugere:
Entretanto, é preciso planejamento antecipado e minucioso, no âmbito de cada instituição, para organizar o funcionamento das aulas e das atividades administrativas. Sabemos que teremos um “novo normal” e muitas adaptações serão necessárias na retomada das atividades presenciais. Neste sentido, esse documento pretende orientar as instituições para a elaboração de seus planos de contingência ou protocolos, visando implementar medidas que permitam o seu funcionamento, minimizando o risco de contaminação e de circulação do vírus.
Trata-se de uma evidente precipitação que não leva em conta as orientações sanitárias das instituições mundiais, como a OMS. Estamos no momento de afirmar que a pandemia acabou – no momento em que o país se torna o epicentro mundial da crise sanitária – ou, antes disso, o Conif poderia estar orientando discussões que poderíamos estar fazendo para salvar vidas? Qual foi o planejamento de risco que o Conif discutiu para colocar nossa rede a serviço do combate à pandemia? Afinal, não apresentou nenhuma diretriz nesse sentido.
Na contramão da decisão do Conif, nossa comunidade escolar não pode deixar que os filhos retornem às aulas, sem que os índices de contaminação, pelo novo coronavírus, sejam controlado. Um possível retorno às aulas presenciais seria uma catástrofe, nossos estudantes e servidores ficariam ainda mais vulneráveis ao contágio do vírus lembrando que a maioria necessita de transporte público, o que agrava o risco. Antes disso, consideramos que o momento exato do retorno deve considerar a evolução da doença, em cada região do Brasil. E esse momento não é agora, cresce o número de infectados e óbitos pelo COVID-19. A taxa de contaminação não estancou.
Conforme reportagem da imprensa (BBC, G1 e Uol), “Na França, uma semana depois que as 40 mil escolas do país foram reabertas, 70 delas tiveram que ser novamente fechadas, devido ao surgimento de casos confirmados e suspeitos de covid-19. Mais recentemente, no Reino Unido, menos da metade dos alunos esperados apareceram na volta às aulas”. Em nosso continente, apenas o Uruguai retornou às aulas. Afirmamos que a decisão do Conif, uma vez consolidada, gerará insegurança aos pais e responsáveis.
Mais adiante, quando o documento propõe ações para o Comitê Local de crise, no passo a passo item IV: “Realizar levantamento, se houver, da produção interna de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) na própria unidade e/ou em outras unidades da instituição;” (grifo nosso), revelando a falta de conhecimento, de levantamento e de proposta para nossa rede se inserir na principal tarefa do momento: combater a pandemia.
A Rede Federal de Ensino tem estrutura, laboratórios e pessoal capacitados(as) para estar na linha de frente da produção de EPI, tudo que fizemos nesta área não ultrapassa 10% da nossa capacidade, porém identificamos nenhum documento do Conif sobre as diretrizes para essa produção. Importante registrar que ainda estamos na curva ascendente da crise sanitária, portanto, em tempo dos(as) nossos(as) reitores(as) fazerem uma autocrítica e construírem uma proposta efetiva de inserção da nossa rede ao combate à pandemia.
Na sede da retomada do calendário escolar o documento do Conif propõe:
I. Prover computadores (ou similares) aos estudantes que não possuem
equipamentos para acesso ao material didático em formato digital.
II.
Viabilizar o acesso à internet para o estudante em situação de
vulnerabilidade social em sua residência (ou no local em que vivencia o
seu isolamento social), por meio de:
- A. Pagamento de auxílio para inclusão digital, destinado exclusivamente à contratação de conexão de dados na localidade em que o estudante reside atualmente;
- B. Aquisição e distribuição de chip de celular com plano de dados suficiente para o acompanhamento das atividades pedagógicas não presenciais;
- C. Aquisição de serviços de “link patrocinado” junto às operadoras de telefonia ou provedores de internet, que permitirá a navegação gratuita pelos sites, aplicativos ou plataformas de conteúdos digitais onde será disponibilizado o material didático;
- D. Contratação direta de serviços de conexão de dados para as residências dos estudantes em situação de vulnerabilidade social, dependendo da disponibilidade de provedores locais nas localidades em que residem;
- E. Caso não seja possível disponibilizar acesso à internet na residência do estudante em situação de vulnerabilidade social, recomenda-se a disponibilização do material didático digital por meio de outras mídias (exemplo: pendrive).
Chamamos atenção para o fato de que tais recomendações não levam em considerações as experiências já ocorridas na nossa rede, tais como:
- 1) A impossibilidade de fazer chegar rede de internet nas casas de um número significativo de estudantes da nossa rede – o que evidencia a reprodução da desigualdade de acesso;
- 2) Desvio do uso do auxílio inclusão digital em função da falta de comida na maioria das casas dos nossos alunos, afinal 76% tem renda familiar abaixo de um salário mínimo – o que reforça a desigualdade social;
- 3) Distribuição de chips de celulares, sem levar em conta as condições familiares dos nossos estudantes, se há sinal de rede em suas residências, por exemplo;
- 4) Não há qualquer estudo sério das condições de moradia dos nossos alunos. É preciso levar em conta, também, o fator psicológico (estado emocional dos estudantes nesse período).
Por fim gostaríamos de registrar que os cuidados apontados pelo documento do Conif referente ao “novo normal” exigirão contratação de mão de obra de toda espécie, inclusive especializada. O documento não apresenta nenhuma referência de como esses trabalhos serão realizados.
É lamentável que no momento de forte agravamento da crise sanitária e econômica, os(as) reitores(as) diante dos números importantes sobre o perfil dos nossos alunos, apontem que:
Nos orgulhamos desses dados, que evidenciam a nossa principal característica: somos uma rede de educação inclusiva. Sabemos da nossa responsabilidade como uma das poucas alternativas dessas pessoas (os mais pobres) de qualificação profissional e preparação para a vida. Representamos o papel de viabilizadores da mobilidade social de milhões de pessoas, por meio da conquista digna de sua cidadania e de transformação, para melhor, da história de muitas famílias brasileiras.
A contradição do discurso está no fato de que, na prática, o documento do Conif constrói diretrizes apartadas da vida real dos nossos estudantes e da situação em que o país se encontra.
A situação nos impõe a realizar uma campanha de solidariedade voltada para nossos estudantes para garantir suas vidas e condições de saúde. Nesse sentido, o Conif poderia fazer chegar em suas casas uma cesta básica, afirmar categoricamente que nenhum deles será deixado(a) para trás, que toda nossa preocupação neste momento é pela vida de nossos(os) estudantes, quando a curva baixar e a situação de segurança se estabelecer, discutiremos coletivamente o planejamento do ano letivo.
Ao SINASEFE resta construir a resistência em defesa da vida. Diante de cada ameaça de retorno mobilizaremos nossa base e não vacilaremos em parar pela vida. Ainda há tempo para o Conif rever essa desastrosa decisão.
Direção Nacional do SINASEFE