ESPECIAL CEM ANOS DA REVOLUÇÃO – Ecos do passado: a possibilidade da revolução

>> Há exatos cem anos, no dia 7 de novembro de 1917 do calendário gregoriano, a ocupação do Palácio de Inverno pelo Exército Vermelho e pelos bolcheviques marca a tomada do poder pelas forças socialistas na Rússia, evento fundamental para entender todo o decorrer do século XX e a luta dos trabalhadores no mundo desde então.

Para marcar o centenário da data, o SINASEFE Litoral lança três textos que refletem sobre as lições deixadas pelo que ocorreu na Rússia naquele dia 7. Confira todos os textos aqui.

ESPECIAL REV RUSSA CAPA

Ricardo Scopel Velho*

Trabalhadores nas ruas, greves iniciadas e lideradas por mulheres, direitos sendo abolidos, rebeldes sendo perseguidos e assassinados em plena luz do dia. Não, não é a descrição dos dias atuais, mas sim o tempo que se gestava a chamada Revolução Russa, em 1917. O maior acontecimento do século XX é desdobramento de um período de apassivamento da classe trabalhadora russa depois da derrota da tentativa transformadora de 1905, quando os trabalhadores, vivendo uma guerra entre a Rússia e o Japão, eram massacrados pela avidez de conquistas dos Romanov, família que nomeava Czares desde 1613. Assim como no Brasil do século XXI, às vezes a história surpreende seus atores. Vejamos o que ocorreu nesse país distante e pensemos quais lições se pode guardar.

No ano de 1905 a revolução foi um “ensaio geral”, nas palavras de Lenin. Durante o ensaio, os trabalhadores descobriram que juntos podiam destruir o império e criar suas próprias organizações. Nascem aí os conselhos, em russo: sovietes.

Com inúmeras promessas de abertura democrática, melhoria das condições de vida, autorização de sindicatos e muita repressão, o Czar consegue desmantelar as iniciativas revolucionárias. Mas suas mentiras não duram muito. Com o início da guerra mundial, em 1914, a situação dos operários se deteriora rapidamente. Os camponeses são alistados para o exército, o que gera a falta de trabalho para produzir cereais. A fome e o frio se alastram na virada de 1916 para 1917, fazendo com que as mulheres operárias em Petrogrado se movimentem e deflagrem greves por mais pão, pela paz e pela queda do regime autocrático.

Em 8 de março, pelo calendário ocidental, essas mulheres levam milhares às ruas, o que desata a irrupção de uma revolução silenciosa, mas que corroeu as bases de um sistema secular de opressão e extermínio. As inúmeras organizações de trabalhadores existentes à época se entreolhavam e se perguntavam: o que fazer. Socialistas revolucionários, partido dos camponeses; constitucionalistas democráticos, partido da burguesia; mencheviques, partido operário moderado; anarquistas, organização de operários e soldados; e os bolcheviques, partido operário, têm participação ativa em todas as mobilizações, greves e apontavam caminhos a seguir.

A vitória de outubro demonstra que a união entre a classe em luta com uma direção política coerente pode gerar a destruição dos inimigos de classe e a construção de uma porta para o futuro. O evento inspirou todas as lutas de libertação até os tempos atuais.

Depois de fevereiro, quando o Czar abdica diante das manifestações, é criado um governo provisório no qual os partidos burgueses e moderados tentam administrar o caos do país em meio a uma guerra.

Em abril de 1917, quando a direção do partido bolchevique adequa sua leitura da realidade e propõe a derrubada do governo provisório e “todo poder aos sovietes”, é que inicia a luta de vida ou morte entre os defensores da liberdade da classe operária e camponesa contra os defensores da continuidade da guerra e da opressão. Um governo frágil ataca sua população para manter a ordem e um povo passivo percebe que só a luta pode alterar sua condição explorada. É nessa condição que se cria a unidade entre a teoria e a prática, pois algumas organizações operárias estão atuando na clandestinidade desde o final do século XIX, nem sempre sendo compreendidas pelos trabalhadores. No entanto, no seio de uma situação revolucionária, onde os de cima não conseguem mais dominar e os de baixo não suportam mais, se desfralda uma condição objetiva para a revolução.

O contexto fica mais acirrado quando um general czarista tenta um golpe de Estado contra o governo provisório. O general Kornilov acusa os moderados de serem… moderados, e por isso não conseguirem administrar a guerra e o país. Todavia, os trabalhadores já apreenderam quem está do seu lado e apoiam os bolcheviques numa ação ocorrida em agosto de 1917, desmantelando o golpe do general.

De setembro em diante a ala mais à esquerda dos trabalhadores, dirigida por bolcheviques e anarquistas, avança com consistência em sua crítica ao Estado russo e aos interesses capitalistas determinantes de todas as decisões do governo provisório.

Em outubro, pouco antes da abertura do Congresso Pan Russo dos Sovietes, os trabalhadores tomam os principais pontos da capital, Petrogrado; cortam a energia dos prédios do governo; levantam as pontes da cidade, para evitar o contra-ataque; insurgem os batalhões fiéis à revolução e, por fim, tomam o palácio de inverno. Uma revolução, que de tão massiva, é absolutamente pacifica. Não há resistência, à exceção de poucos batalhões que defendem o palácio. Isso significa que, quando uma revolução é de interesse geral, ela acaba por ser um alívio para seus sujeitos participantes. Iniciou assim a república dos sovietes.

Saber que a classe trabalhadora foi capaz de derrubar um regime de 300 anos de duração e criar uma potência mundial em pouco mais de 30 anos é um ensinamento capaz de nos dar esperanças

É claro que os problemas se iniciam aqui. Como transformar um país complexo e gigante numa possibilidade revolucionária? A essa pergunta nenhum dos revolucionários do início do século XX tinham resposta. Isso significa que a epopeia da Revolução Russa foi a primeira experiência de transição socialista. Uma tentativa que tem inúmeros problemas a serem elencados e debatidos pela classe trabalhadora. Contudo, as maiores vitórias de todos os tempos da nossa classe foram resultado direto da revolução de Outubro de 1917.

Primeiro, a possibilidade de derrubar o governo dos ricos e criar uma forma de poder dos trabalhadores. Não é qualquer evento que provoca tal situação. A vitória de outubro demonstra que a união entre a classe em luta com uma direção política coerente pode gerar a destruição dos inimigos de classe e a construção de uma porta para o futuro. O evento inspirou todas as lutas de libertação até os tempos atuais.

Segundo, a criação de uma condição de desenvolvimento humano nunca visto pela humanidade. Nas ciências, nas artes, nos esportes, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas desatou a ampliação dos horizontes da criação humana em níveis inimagináveis dentro das relações capitalistas. Também resultou a reação do bloco ocidental, obrigado a criar estados de bem-estar social para se contrapor à situação vivida pelas massas trabalhadoras no socialismo.

Terceiro, a derrota do nazi-fascismo na segunda guerra mundial. Poucos sabem, devido a propaganda hollywoodiana, mas quem libertou a Europa do terror nazista foi o Exército Vermelho, às custas de 20 milhões de russos mortos.

Por fim, resta refletir que a experiência de transição socialista, derrotada em 1991, pelo cerco capitalista, foi um aprendizado valioso para os que lutam contra todas as formas de opressão e exploração. Saber que a classe trabalhadora foi capaz de derrubar um regime de 300 anos de duração e criar uma potência mundial em pouco mais de 30 anos é um ensinamento capaz de nos dar esperanças, pois vivemos em dias em que sonhar parece ser proibido. Portanto, saber que milhões de irmãos lutaram, viveram e morreram pela transformação social deve nos motivar a continuar em movimento por um mundo em que não exista a exploração e a opressão.

Um viva a classe trabalhadora Russa!

Um viva aos rebeldes em luta! ◊

*Ricardo é servidor do Instituto Federal Catarinense.

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Porque devemos estudar a Revolução Russa

A atualidade da Revolução Russa

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