>> Há exatos cem anos, no dia 7 de novembro de 1917 do calendário gregoriano, a ocupação do Palácio de Inverno pelo Exército Vermelho e pelos bolcheviques marca a tomada do poder pelas forças socialistas na Rússia, evento fundamental para entender todo o decorrer do século XX e a luta dos trabalhadores no mundo desde então.
Para marcar o centenário da data, o SINASEFE Litoral lança três textos que refletem sobre as lições deixadas pelo que ocorreu na Rússia naquele dia 7. Confira todos os textos aqui.
Michel Goulart da Silva*
Neste ano do centenário de Outubro, pode-se destacar de diversas formas a importância da experiência soviética para os militantes que se colocam na luta pela revolução. Um primeiro sentido passa por localizar Outubro no contexto do século XX, não sendo exagero afirmar que todos os fenômenos políticos posteriores – ascensão do nazismo, Segunda Guerra Mundial, revoltas de libertação nacional, Guerra Fria, entre outros – de alguma forma estiveram relacionados direta ou indiretamente com a Revolução Russa ou com seus desdobramentos políticos. Portanto, fazer um balanço da Revolução Russa está ligado diretamente a analisar a própria dinâmica social e política da história do século XX.
Por outro lado, para a esquerda, esse olhar sobre o centenário da Revolução Russa, que em grande medida é motivo para celebração, pode também conter alguns riscos. Um primeiro seria o fato de se fazer a comemoração pela comemoração, como se fosse um mero fato heroico e seus personagens fossem quase como algo ficcional. Embora não seja intencional, essa construção narrativa faz com que o processo revolucionário se torne uma mera anedota sobre as quais eventualmente se comenta algo. Essa forma de olhar para a Revolução Russa, enquanto um processo bastante idílico e até mesmo heroico, tira dela o seu conteúdo político e, principalmente, faz com que suas possíveis influências na atual situação social e histórica sejam colocadas em segundo plano ou mesmo esquecidas.
Qualquer reflexão que seja feita precisa levar em conta quais são os problemas da revolução socialista na contemporaneidade. A vida dos militantes que viveram no passado pode nos trazer alguma inspiração? As pesquisas científicas podem nos elucidar fenômenos complexos relacionados à revolução? E o que os debates passados nos ajudam hoje em nossas tarefas para organizar partidos revolucionários e encabeçar as principais lutas dos trabalhadores?
O segundo risco é o de transformar as reflexões acerca da Revolução Russa em algo excessivamente acadêmico, ou seja, encará-la apenas como um objeto de pesquisas universitárias. Nessa lógica, o dinâmico processo da revolução e seus multifacetados aspectos podem ser resumidos em algumas páginas de um artigo a ser apresentado em algum dos vários seminários organizados por todo o país. Com isso, não se realiza uma reflexão que possa ter um impacto político, fazendo com que a Revolução Russa se torna meramente um conjunto de citações de livros e artigos que pretendem corroborar certa interpretação acadêmica acerca de algum aspecto relacionado àquele processo político e social. O pesquisador não se vê como parte de um processo político ligado à transformação radical da sociedade, mas somente um observador externo.
Por fim, o terceiro risco é aquele de as diferentes facções das esquerdas ficarem em disputas vazias de interpretações. Para tanto, de um lado, os diferentes setores procuram selecionar arbitrariamente quais os heróis que devem ser seguidos pelas esquerdas e quais de suas ideias serão efetivamente consideradas mais importantes. Como consequência, discute-se fatos do passado e balanços históricos com a mesma virulência com que são feitas as disputas atuais. Não se discute as possibilidades de experiências que podem servir à reflexão, mas os fatos em si, como se ter uma interpretação pretensamente correta do que ocorreu décadas atrás fosse o mais importante para compreender e lutar pela revolução no atual século.
Ao olharmos para as lutas dos revolucionários russos das décadas passadas, precisamos buscar entender quais são as tarefas que ainda hoje persistem para as pessoas que queiram derrubar o capitalismo e transformar a sociedade com vistas à construção do socialismo
Portanto, os riscos em grande medida podem ser vistos como a possibilidade de esvaziar a riqueza do processo revolucionário russo. Não se nega que é preciso celebrar a revolução e seus grandes heróis, que seja fundamental realizar pesquisas acadêmicas que ajudem a elucidar o processo em toda a sua dinâmica e complexidade ou que os debates travados nas décadas passadas podem nos ajudar a elucidar nossos próprios dilemas políticos atuais. Contudo, ainda que os fatos ocorridos há cem anos possam inspirar muitas das ações e reflexões no presente, são os próprios trabalhadores em carne e osso que farão a revolução na contemporaneidade.
Qualquer reflexão que seja feita precisa levar em conta quais são os problemas da revolução socialista na contemporaneidade. A vida dos militantes que viveram no passado pode nos trazer alguma inspiração? As pesquisas científicas podem nos elucidar fenômenos complexos relacionados à revolução? E o que os debates passados nos ajudam hoje em nossas tarefas para organizar partidos revolucionários e encabeçar as principais lutas dos trabalhadores?
Ao olharmos para a Revolução Russa, precisamos encará-la não como um passado cheio de histórias desprovidas de interesse para o presente, mas como parte das lutas que travamos ainda hoje. O processo revolucionário russo ainda permanece de alguma forma nas diferentes manifestações de cultura política ou na forma de organização dos trabalhadores, e é isso o que torna importante as reflexões que estão sendo feitas em seu centenário.
Os trabalhadores em âmbito internacional ainda não derrotaram o sistema econômico que produz somente miséria. Por isso, ao olharmos para as lutas dos revolucionários russos das décadas passadas, precisamos buscar entender quais são as tarefas que ainda hoje persistem para as pessoas que queiram derrubar o capitalismo e transformar a sociedade com vistas à construção do socialismo. ◊
*Michel é servidor do Instituto Federal Catarinense e Coordenador de Formação e Comunicação do SINASEFE Litoral
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