[PdB] Seguem os ataques à autonomia das instituições públicas de ensino

PERSPECTIVA DE BASE: Michel Silva relata as ações contra a existência do Campus Abelardo Luz do IFC e reflete sobre a diferença de abordagem do Judiciário diante de outras situações semelhantes.

por Michel Silva¹

No apagar das luzes, o Ministério Público Federal (MPF) protagonizou um novo ataque ao projeto político-pedagógico do campus Abelardo Luz do Instituto Federal Catarinense (IFC), localizado no oeste de Santa Catarina. Em nova denúncia, ao apresentar um longo dossiê sobre as dificuldades de acesso ao campus e seus problemas de infraestrutura, o MPF sugere a mudança da instituição para a área urbana da cidade, ou seja, propõe a retirada do campus de dentro do assentamento de reforma agrária em que está localizado, que possui cerca de mil e quinhentas famílias.

Em agosto de 2017, os diretores do campus foram afastados de seus cargos, acusados de irregularidades que estavam relacionadas a uma suposta ingerência do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na gestão. Em uma ação da Polícia Federal, foram apreendidos seus celulares e computadores. O campus passou meses sob uma intervenção velada do MP.

PERSPECTIVA DE BASE:
Seção do site dá espaço às opiniões dos filiados ao Sindicato

Na mais recente denúncia, em algumas dezenas de páginas, são apresentados de forma detalhada problemas reais existentes no campus e que de fato precisam de resolução, de tal forma a garantir um espaço de trabalho e estudo adequado. Conforme denunciado há anos pelos sindicatos dos trabalhadores, esses são os mesmos problemas que ocorrem em todo o país em diversas unidades da Rede Federal de Educação Profissional, devido principalmente à expansão precária promovida nos últimos quinze anos.

Embora tenham sido feitas inúmeras denúncias contra os problemas estruturais dos campi em todo o país, curiosamente Abelardo Luz foi um dos poucos que recebeu atenção do MPF e do Poder Judiciário, num processo que procura associar de forma mentirosa suas dificuldades estruturais à ingerência do MST e às escolhas ideológicas da gestão. Contudo, certamente o MPF sabe que o conjunto de demandas estruturais necessárias ao campus é impossível de realizar enquanto estiver vigente a Emenda Constitucional 95 (EC 95), que congela os gastos em educação e em outras áreas por vinte anos.

O documento do MPF enfatiza uma suposta “imposição de ideologia política” por parte da equipe diretiva do campus, pois a unidade foi criada com vistas a atender às demandas da chamada Educação do Campo. Para o MPF, essa justificativa ideológica seria a única razão de manter o campus em funcionamento em um local sem estrutura adequada. O MPF, portanto, ignora ou considera irrelevantes as necessidades de formação daquela população.

Quando o MPF sugere a migração do campus para a área urbana da cidade e a abertura de novos cursos para aumentar o público atendido pela instituição, na verdade está procurando dar uma legitimidade legal à proposta de representantes da bancada ruralista e de empresários locais que defendem a criação de cursos que atendam não os interesses da agricultura familiar, como ocorre atualmente, mas do agronegócio.

Os argumentos presentes na denúncia se assemelham aos difundidos pelo Escola Sem Partido, atacando a autonomia didático-pedagógica da instituição. Na denúncia, o MPF considera absurdo que haja a participação ativa da comunidade atendida pelo campus. O MPF parece fazer uma bizarra associação automática dos trabalhadores do assentamento com o MST, mesmo que uma grande quantidade de moradores não tenha vínculos com este ou outros movimentos sociais.

Embora o MPF fale que essa forma de gerir o campus não atenda os preceitos legais, é básico na legislação educacional a necessidade de participação ativa da comunidade, nas decisões e até mesmo na gestão das unidades de ensino, compondo inclusive os órgãos colegiados de decisão. Isso não está previsto em uma legislação comunista e revolucionária, mas nos limitados documentos produzidos pelo Estado burguês, como a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996.

Um debate curioso que a denúncia de uma suposta ingerência do MST na gestão daquela unidade suscita tem a ver com o fato de, por força de lei, o campus ter que atender aos chamados “arranjos produtivos locais”. Desde que foi criada e passou por sua expansão, a Rede Federal de Educação Profissional tem construído e fortalecido uma estreita relação com empresários locais e prefeituras por todo o Brasil, priorizando os interesses e os conchavos de redes econômicas e políticas. Existem casos em que empresas atuam diretamente na criação e até mesmo no cotidiano dos cursos, como ocorre na graduação de Design do IFSC, em Florianópolis.

Para o MPF, a intervenção direta de empresários no cotidiano das instituições não é problema, considerando criminosa somente a relação das instituições com os movimentos sociais e com a comunidade em geral. Esse processo de ataque à autonomia da instituição se insere em um longo embate, iniciado ainda na fundação do campus, há cerca de quatro anos, envolvendo empresários locais e políticos da região, que consideram absurda a implantação de uma instituição federal dentro de um assentamento da reforma agrária.

Essa ação do MPF se insere no conjunto de ataques que vem sendo perpetrados contra as instituições de ensino públicas, visando enfraquecer seu caráter público. São exemplos dessas ações a tentativa de criminalização dos servidores públicos, dos sindicatos e até mesmo dos gestores, como o foi a denúncia contra o reitor da UFSC por ter permitido a colocação de uma mera faixa ou as ações de censura da Justiça Eleitoral durante o processo eleitoral. Não por acaso, a Reitoria do IFC e outros gestores da instituição são citados na denúncia do MPF sobre Abelardo Luz por conta de sua defesa “ideológica” do projeto político-pedagógico do campus.

No que se refere à denúncia, faz-se necessária não apenas a defesa do projeto pedagógico que vem sendo implementado, mantendo o campus dentro do assentamento José Maria, como a exigência de uma ampla política de investimentos para resolver os problemas estruturais do campus.

Para tanto, não há outro caminho a não ser lutar tanto pela defesa da autonomia da instituição como contra a política de austeridade implementada pelo governo Temer (e que será aprofundada no governo Bolsonaro). O ataque contra o campus Abelardo Luz significa um profundo ataque aos trabalhadores do campo e da cidade, tolhendo seu direito de acesso à educação pública, gratuita e de qualidade, conquistado em décadas de luta.

1 – Michel Silva é Doutor em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Realizou estágio pós-doutoral no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Técnico em Assuntos Educacionais do Instituto Federal Catarinense (IFC). Possui graduação e mestrado em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil Contemporâneo, atuando principalmente nos seguintes temas: ditadura no Brasil, modernização, marxismo e cultura política.

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